in loco - cobertura dos festivais
As Hiper Mulheres, de Leonardo Sette, Carlos Fausto e Takumã Kuikuro (Brasil, 2011)
por
Pedro Henrique Ferreira
Nas
aldeias
As
Hiper Mulheres é um exemplar dentre os documentários
exibidos na Semana dos Realizadores onde há, quando não
uma identificação quase absoluta, uma relação
de transparência e proximidade entre o realizador e o objeto,
seja por um viés ideológico (Ardor Irresistível),
emotivo (Romance de Formação) ou, neste
caso, pelos personagens. Tem-se curiosidade pelo objeto, é
verdade, e é compreensível que se queira entender
e aceitar as inclinações, vontades e sonhos do outro
ao ponto de tornar esta aceitação uma razão
de celebração. É, inclusive, desta caridade
de onde a maioria destes filmes extrai toda a sua força
– desta identificação plena com o seu objeto
no que ele tem de mais afirmativo, mas também de mais frágil.
Para além dos juízos positivos ou negativos que
possamos fazer deste “método” de abordagem,
é curioso e significativo que o fazer-documentário
venha sendo entendido por esta chave que evita emitir juízos
e que trava a faculdade moral quando rejeitar seus atos ou simplesmente
não entender seu objeto, tomá-lo como algo distante
e misterioso, não é em hipótese alguma uma
ausência de relação.
No caso específico de As Hiper Mulheres,
nos vemos diante de uma tribo indígena do Alto Xingú
(MT) preparando-se para realizar o grande ritual feminino Jamurikumalu,
engatilhado pela eminência de um falecimento, e dando continuidade,
de geração a geração, à sobrevivência/passagem
de um canto por uma tradição oral. O que em princípio
parece um objeto de maior estranhamento, que levaria a uma investigação
etnográfica, um espanto ou curiosidade com uma outra cultura,
é vertido inteiramente para um tom de apaziguamento das
diferenças, de encontro mais do que de choque, um tom que
compraz com os valores expostos - e pede o mesmo de seu espectador.
O projeto, resultado de oito anos de convivência com aquela
tribo, se lança àquela realidade para nela encontrar
humor e uma forma de humanidade.
Assim,
os índios seriam tão alegres quanto nós,
e há meio mais efetivo do que o humor para se gerar carinho
e graciosidade na imagem de um outro que respeitamos e aceitamos?
É significativo que As Hiper Mulheres demore a
engatar: no começo, ainda não foi criada uma configuração
apta a gerar o cômico e o gracioso – ainda estamos
num registro de um espaço e uma forma de vida que nos são
demais desconhecidas, que não podemos ainda receber com
afagos e zerar nossos juízos – uma posição
com a qual o trio de diretores parece ter alguma dificuldade em
lidar. Por outro lado, o filme encontra plena força a partir
do momento em que estamos a caminho de uma grande celebração,
o ápice deste pacto entre o branco e o índio, mediada
por carinho e humor, e pela transparência do documentarista
em relação a seu objeto.
Mas é preciso estar alerta para o que esta atitude tem de paternal – o entendimento do outro cria serenidade e transparência, mas também inércia e reserva – e preserva na mesma medida em que evita contrapôr-se. Evita contrapôr-se porque não quer violentar o outro, talvez porque sinta que já tenha o violentado em demasia, ainda que contrapôr-se e emitir juízos nem sempre seja, por excelência, uma violência. O lançar-se desarmado e de forma imediata em direção a uma cultura diferente da nossa é substituído por um arsenal de outra natureza – um que precisa de convivência e contato para entender aquilo que trata, abarcando no índio o que se pode compartilhar e deixando de lado, evitando mostrar, tudo aquilo para o qual o homem agora e sempre estará cego.
Dezembro de 2011
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