in loco - cobertura dos festivais
Apenas o Vento (Csak a szél),
de Benedek Fliegauf (Hungria,
2012)
por Fabian Cantieri
A
necessidade de trincheiras
As transformações da recente
Hungria neoliberal ainda estão no ar e por isso mesmo é
difícil historicizá-las. Nesse sentido, o cinema
ajuda esse processo, e alguns pontos dessa mudanças político-sociais
já são tateáveis. O adeus ao socialismo sempre
poderá ser munido de bandeiras nostálgicas ou receosas,
mas o fato é que o país anda mal das pernas e o
realismo social de seu cinema já não vem de hoje
querendo estampar suas contradições e/ou incapacidades
políticas. Apenas o Vento é mais uma pincelada
de um quadro cinematográfico que vem sendo construído
há pelo menos três décadas. Hoje, são
mais de um milhão de desempregados (o que representa 10%
de sua população) e a entrada na União Européia
em 2004, que permitiu uma economia de mercado livre, não
colaborou muito com a vida dos ciganos por conta de sua cultura
trabalhista.
É
essa conseqüência aparentemente menor (dos ciganos
em relação a sociedade húngara), esse choque
“invisível” visto de um panorama geral que
parece ser o interesse de Benedek Fliegauf. E por isso quase tudo
é decupado em primeiro plano, desconfigurando o protótipo
do plano geral abalizador de um certo espaço social e sua
relação com os habitantes. Em Apenas o Vento,o
tom de urgência é latente de cabo a rabo: Benedek
quer ver a repercussão instantânea, o viço
do suor. Esperto, sabe que para tanto basta ter seus personagens
ali, a uma distância segura, sem lhes deixar escapar, mas
evitando o olhar microscópico. Não cai no exagero
recorrente de tentar enxergar algo nos poros de cada um. Afinal,
poro não fala.
As internas são pura podridão – reflexo da
falta de coleta de lixo, que não trabalha ao redor de suas
moradias. Temos uma mãe que faxina e não é
tão bem tratada por não dar para o patrão
(além de ser cigana, claro), a filha que estuda e o filho
que vagueia entre matos e videogames. O trabalho da mãe
não aparenta levar a um outro patamar; é questão
de sobrevivência e com isso a expectativa de mudança
só pode recair sobre os filhos. Para piorar, a questão
central, temática que uma cartela avisa logo de cara
querer ficcionalizar, em vez de documentar: em 2008 e 2009 uma
série de atentados matou e feriu muitos ciganos, e aparentemente
não existe muito ânimo por parte da polícia
local para investigar e condenar os culpados.
Poderia existir uma relação poética entre
o vento que perturba a paz do sono final da família de
ciganos e aquele que interpenetra as janelas sórdidas para
chegar ao feelgood de um banho de mar, assim como poderia
existir (apostaria minhas fichas) uma bonita proposição
poética na melopéia original do título em
húngaro “csak a szél”, um fonema
sonoro que se esvai pela tradução. Mas isso são
incertezas. O que sabemos é que qualquer identificação
com aqueles personagens se perde no meio do caminho entre a tela
e o espectador, e o propósito parece consciente. Faz parte
de sua posição política. Ali se configura
o outro. Atentai: repare a desgraça mundana da mãe,
a árdua tentativa samaritana da filha em ser alguém
e a inutilidade da vagabundagem do filho, que mais parece um errante
florestal que cava seu próprio buraco. Tudo parece girar
para a composição final: lugares secretos às
vezes são mais importantes do que escolas.
País
estranho este que habita tal lógica. Dentro de um cenário
visivelmente sem perspectivas econômicas, sociais e sanitárias,
a saída de qualquer projeto de melhoria de condições
daquela família parece residir na filha – a responsável,
a bem educada. Mas o que o desfecho que Benedek nos apresenta
é que crer na violência como apenas um vento, como
inerente à natureza do mundo, é como se deixar levar
por um conto de carochinha para poder dormir melhor. É
uma comodidade inconseqüente. A violência, apesar de
conviver lado a lado com a História, é, na
verdade, um rompante de qualquer crescimento civilizatório
minimamente digno e por isso não pode ser pensada como
apenas mais uma política pública qualquer. Porque
o mito de que a educação é o fundamento de
tudo morre em tempos de guerra.
Outubro de 2012
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