Apenas
o Fim, de Matheus Souza (Brasil, 2008) por Cléber
Eduardo Apenas
um começo
O principal risco crítico ao lidar com
Apenas o Fim, de Matheus Souza, é relativizá-lo como “filme de universitário”.
Com uma equipe formada por alunos da PUC-RJ e dirigida por um aluno de 19 anos,
seu contexto de produção pode se tornar, pelo saudável inusitado, um dado acima
das considerações cinematográficas e conquistar adesão de antemão. Evitemos esse
risco, afinal, se decidiu lançar o filme no mundo, inclusive com prêmios no Festival
do Rio (o de público e um de estímulo), é preciso encará-lo com filme tão somente,
não como produto de uma brincadeira de faculdade. Apenas
o Fim tem uma estrutura simples, dividida em dois segmentos, um colorido,
outro em preto e branco, um no presente, outro no passado, um situado nas últimas
horas de um namoro entre um casal de universitários, outro durante o namoro de
adolescentes dessas jovens crianças. O segmento colorido do presente desenrola-se
em andanças pela faculdade, à moda de Antes do Amanhecer ou Antes do
Pôr do Sol, de Richard Linklater (também uma referência para o cartaz,
na linha Waking Life), mas com uma toada verbal cômica aparentemente herdeira
de Domingos Oliveira. O segmento em preto e branco tem como cenário uma cama,
onde os dois estão deitados, descobrindo as preferências uns dos outros, na linha
“questionário de estudantes”, hoje transformado em cultura do “eu sou assim” no
Orkut. Poderíamos pensar ainda em Kevin Smith, em alguma medida, se Apenas
o Fim fosse, como os filmes de Smith, minimamente centrado na imagem, quando,
a rigor, é um exercício de diálogos com limites claros de encenação. Se há habilidade
com as palavras da parte do diretor e roteirista Matheus Souza, a mesma desenvoltura
não se encontra nas opções de como se filmar esses diálogos. A parte externa fica
entra a simplicidade e o comodismo criativo. A parte do quarto é dotada de uma
estilização sem força expressiva. Souza procura ao final turbinar o estilo com
divisão de telas e, durante parte da narrativa, interrompe o andamento para inserir
“imagens-memória”, com textura de VHS rampeiro e mofado. Há um empenho nesses
momentos de usar as facilidades do vídeo, mas o esforço parece somente ampliar
a fragilidade estética e reforçar a impressão de estarmos diante de um filme de
palavra, todo centrado na exteriorização e não na observação e nos sentimentos.
As
situações são revestidas de referências pop e piadas sobre marcas da sociedade
de consumo e da indústria cultural. Não deixa de ser uma forma de mostrar como
foi formada a subjetividade e a juventude infantil dos personagens. As referências
a uma série de produtos e de personagens de séries, ou em série, assim como a
games e bandas de pop, não são apenas estratégias de esbanjar os dados
de contemporaneidade. Essas referências são os personagens: eles são o que consumiram.
Ele é um nerd com os óculos do avô, uma mistura teen da Gávea entre Woody
Allen e Paul Giamatti, que fala sem freios na língua e, diante do drama do desfecho
de uma relação, faz piadinhas o tempo todo. Ela é uma patricinha cheia de si,
que, zarpando para fora do namoro e do Rio, não perde a pose de gatinha da turma.
Um fala do outro, eventualmente com carinho, a maior parte do tempo com ironia,
porque, afinal, o romantismo a sério, aparentemente, é bloqueado como possibilidade,
talvez por ser considerado démodé ou apelação sentimental. Ao
investir em um humor com grau zero de sensibilidade em relação aos sentimentos
dos personagens, procurando mediar a relação somente com gracejos verbais, Apenas
o Fim torna-se deslocado de si quando eles choram. É para levar a sério o
choro? A predominância da paródia de comportamento de uma geração e de um segmento
social-geográfico de uma cidade, somada à predominância do escancaramento cômico
de como um personagem enxerga o outro, é empecilho para se solidarizar com os
personagens. Eles estão ali, mesmo filmados com afeto, para rirmos de como são.
A primeira meia hora não tem comprometimentos, se aceitarmos a proposta tal qual
é, mas a partir daí podemos ter a sensação de estarmos diante de um longo curta
esticado, ou de um média cego para sua duração mais potente, ou ainda de um piloto
de sitcom sobre como conversam os universitários hoje. Há metragem demais
para cinema de menos ou não há cinema suficiente para habitar mais de 40 minutos
de situações repetidas em suas variações. Que não se espere e não se cobre uma
visão com efeito de autenticidade do universo filmado, porque, longe da aproximação
realista, Apenas o Fim quer a cena performática em sua condução verbal.
Quer as cenas – ou esquetes? – sem silêncio. Sem aqueles momentos de digestão
do falado e ouvido. É um filme que fala sem ouvir, ou fala e ouve sem estar nunca
em silêncio. Um filme sobre um roteirista procurando se exibir, à espera de um
diretor para filmar suas cenas e diálogos, sem fôlego para ser espertinho a cada
segundo. Outubro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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