Antonia,
de Tata Amaral (Brasil, 2006) por Fabio Diaz Camarneiro
Por
um cinema do afeto Como
um homem deve se aproximar do sexo oposto? Em primeiro lugar, é necessário lembrar
que há poucas coisas que os homens compreendem menos que o sexo feminino. Imagine-se
então o tamanho da tarefa ao tratarmos não de uma, mas de quatro mulheres. O primeiro
passo é engatar uma conversa. Comece pelo trivial: pergunte o nome delas, de onde
elas vêm. A resposta será Preta (Negra Li), Barbarah (Leilah Moreno), Mayah (Quelynah)
e Lena (Cindy), moradoras da Vila Brasilândia, na periferia de São Paulo. Não
seja ingênuo a ponto de perguntar se Antônia não veio com elas: Antônia (todo
mundo sabe, basta ter visto a série na TV Globo) é o nome do grupo de rap onde
as meninas cantam. Tome cuidado: é quase impossível resistir ao charme dessas
mulheres. E, para se aproximar do terceiro longa-metragem de Tata Amaral, é necessário
um olhar feminino.
Antônia, co-produzido pela mesma O2 Filmes de
Cidade de Deus, é uma espécie de contraponto feminino ao filme de Fernando
Meirelles. Em Antônia, como em Cidade de Deus, estamos frente a
narrativa de uma tentativa de se escapar da condição de pobreza. Só que o Buscapé
de Fernando Meirelles e as cantoras de Antônia possuem práticas opostas:
o primeiro espera, a todo instante, conseguir escapar de sua condição social,
mesmo sem um plano concreto. Poderia roubar, mas não tem talento para tanto. Meio
por acaso, ele acaba contratado por um grande jornal e termina assumindo uma nova
identidade: Buscapé está morto, longa vida a “Wilson Rodrigues, fotógrafo”. Já
em Antônia, o plano de fuga está traçado desde o início: o grupo de rap
parece ser uma conseqüência natural para as quatro protagonistas. Mais
que o plano de ascensão social, no entanto, são os pequenos dramas do cotidiano
que interessam a Tata Amaral. A música não é a redenção (como em, por exemplo,
O rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas, de Paulo Caldas e Marcelo
Luna). A música é uma profissão, é a busca pela sobrevivência material, e não
está desvinculada de outros problemas: a família, a sobrevivência cotidiana, a
maternidade, o casamento. Aqueles que se preocupam apenas com o sucesso são os
homens. As mulheres precisam se preocupar com o sucesso e muito mais. Mas, as
dificuldades não demorarão a aparecer: como equilibrar a carreira musical e a
vida longe dos palcos? Em poucas palavras, como equilibrar a música e os afetos? Afeto,
aliás, que parece ser a forma como Antônia se aproxima de suas personagens.
Há aqui outro problema que não pode ser desprezado: como o olhar de uma realizadora
de classe média retrata o universo de Vila Brasilândia? Tata Amaral tenta deixar
suas atrizes à vontade para permitir que elas interpretem a si mesmas. O respeito
pela identidade da periferia se manifesta, não apenas na dramaturgia, mas também
no trabalho de câmera – que, ao lançar mão do plano-seqüência, busca um caráter
de “documentário”. Uma aproximação que possui delicadeza e sensibilidade, mas
que também, de tão cuidadosa, corre o risco de parecer medrosa ou pouco aprofundada. Temos
sensualidade, musicalidade, mas também um filme incompleto, no melhor sentido
do termo: a Antônia falta certa objetividade, certa “eficácia” dramática.
É um filme prisioneiro de sua simplicidade, algumas vezes previsível ou mesmo
“esquemático” na forma como conduz seu enredo (cada uma das protagonistas enfrenta
um problema específico: violência, casamento, preconceito, maternidade, machismo
– como, aliás, destacou Eduardo Valente em seu texto
sobre o filme). Ao mesmo tempo, é dessa simplicidade que o filme extrai sua força. Antônia
é o retrato de mulheres negras e pobres que tentam valorizar sua identidade e
encontrar um meio de expressão. Há poucas coisas que os homens compreendem menos
que o sexo feminino – e, para se aproximar do terceiro longa-metragem de Tata
Amaral, é necessário um olhar feminino. Portanto, não deixa de ser interessante
que, em um filme tão feminino, quem rouba a cena é Marcelo Diamante, o personagem
de Thaíde. É nele (e não nas quatro cantoras) que vemos transparecer o sentimento
de ritmo e improviso do rap.
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