Antes
de Partir (The Bucket List), de Rob Reiner (EUA, 2007)
por Francis Vogner dos Reis Artimanha
do capeta
O tempo não fez bem a Rob Reiner. Depois
de fazer alguns belos filmes na década de oitenta (como A Coisa Certa e
Conta Comigo – este, seu único grande filme), também ajudou a redefinir
a comédia romântica que se seguiria nos anos noventa, com Harry e Sally – Feitos
Um para o Outro. Mas eis que o diretor atravessa mal a década de noventa (o
propalado Louca Obsessão não se sustenta em uma revisão) e chega ao século
vinte e um como um mero executor burocrático de filmes do mainstream, como Dizem
por Ai e A História de Nós Dois. Diferente de seu pai, Carl Reiner,
este sim um grande cineasta que, mesmo trabalhando em Hollywood, sempre se aplicou
a realizar comédias mal comportadas. Em Antes de Partir, confirmamos que
a descendência é somente consanguínea. A
comédia de Rob Reiner conta a história de dois senhores de diferenças fundamentais:
um é mecânico, o outro, dono de um hospital; um é homem de família e o outro,
solteirão. O que os une é uma internação em um quarto em comum: ambos têm câncer
e aproximadamente seis meses de vida. Fazem uma lista de coisas que gostariam
de vivenciar antes da morte, e decidem cumpri-la na medida do possível. O filme
é um caça-níqueis de luxo protagonizado por dois grandes atores, Jack Nicholson
e Morgan Freeman. Nicholson tem uma persona tão forte que geralmente embarca em
trabalhos em que o filme se põe a serviço dele. No melhor dos casos, seus filmes
com James L. Brooks; no pior, filmes como este. Se o cinismo de Nicholson é o
que Reiner deseja, a integridade de Freeman é a contrabalança. O filme é ancorado
à figura deles, só que o diretor não se esforça em fazer do seu projeto um veículo
inteiramente a serviço de seus astros, se contentando em tê-los como imagens que
vampiriza. É patente o desinteresse do diretor. De bom artesão
em anos passados, ele passou a um mau diretor de aluguel – ou pior: Rob Reiner
é daqueles diretores que fazem “filmes simpáticos”, que não parecem tão ruins
por causa de sua leveza e empatia imediata. Dá-se um crédito porque, afinal de
contas, filmes em que atores carismáticos emprestam credibilidade a personagens
em si mesmos adoráveis, não podem ser de todo ruins. Ledo e maquiavélico engano.
Se a idéia clichê de que a indústria de Hollywood só produz lixo pode ser um tanto
precipitada, Antes de Partir é daqueles filmes que fazem jus a essa fama
(e a merecem), não porque tenha a prepotência exacerbada de um Michael Bay (um
alvo fácil – e óbvio), mas sim porque aspira a simpatia de um produto bem realizado
(segundo o padrão de qualidade de Hollywood, claro), humano e de alto astral,
ou seja, aparentemente inofensivo já que é um espetáculo contido, não “ensina”
princípios anti-éticos e é até uma ode à vida e etc. Na verdade Antes de Partir
é muito mais ardiloso do que qualquer filme militarista e muito mais fake
do que qualquer colosso de efeitos especiais. O
filme assinado por Rob Reiner é um representante da crença de que o cinema tem
a vocação pra ser simplesmente um produto, com algumas características atraentes
que o redimem por ser tão e somente “simpático” e “inofensivo”. Tão inofensivo
que corre-se o risco de esquecer que se trata de um fato estético. Assim, não
dá pra deixar passar sua pobreza plástica (como as cenas de um chroma-key
que não serve como construção de espaço, mas como mera ilustração de fundo) e
sua anemia dramática, em que os conflitos, inicialmente sérios, fogem pela tangente
em detrimento da chantagem reconciliatória e falaciosa entre a morte e a vida.
Problemas estes muito mais sérios do que o fascismo declarado e objetivo de muitos
filmes americanos e do que qualquer representação espúria do ato de morrer (que
já gastou tanta saliva entre os críticos), simplesmente porque simula não pretender
coisa alguma. Através de sua empatia e de sua atratividade
narrativa, Antes de Partir consegue nos fazer acreditar que um filme possa
ser simplesmente inocente, descompromissado e, no limite, comovente. Aceitar esse
discurso é aceitar também que o cinema pode ser simplesmente fruição, uma arte
menor e impotente, uma forma vazia. É ai que reside a questão que o cinema (pelo
menos o grande cinema) sempre se preocupou: declarar a potência e o perigo da
imagem. Se isso tivesse sido compreendido, talvez Antes de Partir fosse
visto com tantas reservas quanto um Rambo IV – com a diferença fundamental
de que o filme de Stallone, pelo menos, não dissimula. Março
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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