in loco - cobertura dos festivais

Anna M. (idem), de Michel Spinosa (França, 2007)
por Eduardo Valente

A empatia na loucura

Anna M. coloca-se de frente com um dos velhos dilemas do cinema: como representar a imagem de uma psicose? A opção de Michel Spinosa é, ao mesmo tempo, por uma frieza quase “documental”, de uma frontalidade extrema junto à sua personagem. O que parece mais interessar a Spinosa é a possibilidade de reproduzir, dentro da sua estrutura narrativa, uma lógica que é regida, justamente, pela ausência de lógica. Não por acaso os “subtítulos” presentes no filme são referentes às fases da doença conhecida como erotomania, como foi descrita pela primeira vez ainda na década de 20. Se o filme está longe de ser “científico”, e encontra bastante da sua força em expedientes típicos da ficção, ainda assim há na filmagem de Spinosa um interesse pelo processo, pelos detalhes.

Talvez por isso mesmo, a maior força de Anna M. junto ao espectador seja sua capacidade de nos manter sempre inquietos: não conseguimos saber exatamente o que é delírio e o que é verdade, não conseguimos julgar quando a personagem está à beira de um ato insano ou sob controle de suas emoções (e note-se aqui a bela interpretação de Isabelle Carré, que deixa de lado quase sempre os tiques de interpretação over de “louquinha”, optando por um jogo de olhares e mudanças súbitas de expressão) – não conseguimos, em suma prever um passo seguinte.

O filme convida a uma dança com a personagem que impõe ao espectador comum um problema grave: afinal, como sentir empatia por alguém claramente capaz de causar muito mal às pessoas? Será possível manter o esquema básico de identificação, tão buscado pelo cinema? Ao optar por estar quase sempre ao lado desta personagem, que é tudo menos simpática (e as seqüências mais questionáveis do filme são justamente as duas ou três em que ele quebra essa lógica e mostra cenas do cotidiano de outros personagens), Anna M. (cujo título é uma óbvia referência a Adèle H, embora os interesses de Spinosa pareçam bem distintos aos de Truffaut) desafia a capacidade do espectador de aceitar o diferente e de se entregar a uma dinâmica que não domina.

Setembro de 2007


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