A Máquina, de João Falcão
(Brasil, 2005)
por Felipe Bragança

Reação culturalista

A Máquina
parece tentar mesclar, aos trancos e barrancos, a rapidez e a aparência tosca dos filmes da grife Diler Trindade (os últimos filmes de Xuxa e Didi estão aí como parâmetros) com a precariedade cênica comuns aos espetáculos mambembes, idealizados como “populares”, nos quais Falcão se inspira. Desse estranho encontro, o que se percebe é que, se o diretor comunga de alguns a prioris estilísticos filiados a uma certa “reação culturalista” presente nas obras de Guel Arraes e Luiz Fernando Carvalho, o seu desdobramento narrativo acaba por não conseguir se atualizar para além de uma repetição mimética do que estava anunciado no texto. A opção por um cinema declamado, de frases motrizes de cenas, pode ganhar graça na mão de uma direção que consiga colocar em movimento a articulação verbo-imagem, verbo-ação de maneira a construir magia, atmosfera de imagem.

DA Máquina de Falcão, porém, além do questionamento sobre a pertinência desse projeto populista de cinema (onde estaria também Hoje é dia de Maria), fica a impressão de que não havia gesto de interesse no filme para além de uma afirmação dessas suas “opções cênicas” baseadas no friccionar frenético entre os clichês do pop e os clichês do popular. Falcão tem como base um texto com algum grau de magnetismo, circular e reiterativo que, se no teatro conseguia se completar em forma de uma ciranda mecânica-verbal eficaz, no cinema parece resultar apenas em ilustração de palavreado.

O filme (com um casamento ruim entre a fotografia sem vida de Walter Carvalho e a direção de arte festiva de Marcos Pedroso), acaba se mostrando um curioso eco de uma certa estética liquidificador-pop dos anos 80, encontrando uma maneira didática de ser cenicamente reflexivo (a parcela “popular-comercial” do projeto). Assim, nos remete a uma certa “modernização” típica de marcos televisivos como Armação Ilimitada (de fato, um trunfo de época, capitaneado por Guel Arraes, entre outros) ou dos primeiros filmes estrelados por Xuxa (ícone da cultura de massas plastificada dos anos de abertura democrática e expansão da TV no Brasil).

Apesar dessa filiação geracional (com sombras também dos diálogos “espertos” de Jorge Furtado), o filme acaba não indicando onde quer/poderia chegar ou de quê maneiras tais referências se desdobrariam em sua relação específica com um caldo cultural contemporâneo – pós-internet, pós-videogame, pós-celular – onde a relação arcaico-tecnológico/Nordestina-Mundo, não mais se resolve em dicotomia simples ou por mero contraste. Um be-a-bá de narrativa meta-folclórica que, se em Lisbela e o Prisioneiro funciona pela chave do jogo de referências que lhe dá a graça de um teatro-infantil-para-adultos, aqui parece demais uma premissa discursiva tentando se validar como mérito já-dado por si só.  Uma premissa onde a fábula e o discurso do falso, aparecem antes como retórica para simplificação do mundo, do que para qualquer cultivo do mágico, do encantamento (lembrar Jean Rouch, sempre!) e do desvio.

E aí não há Chico Buarque no piloto automático, Wagner Moura fazendo (bem) graça, ou Mariana Ximenes fazendo charme que dêem jeito: A Máquina não anda. Nos resta, apenas e ao final de tudo, Paulo Autran, único sobrevivente daquelas memórias, a nos indicar um resquício de verdade cinematográfica em que as questões preocupantes são:  até que ponto essa recuperação reiterativa da narrativa de cordel/ciranda pode se implementar hoje como construção de uma identidade pacata e conformada para um cinema de “arte brasileira”? Até que ponto basear-se em arcaísmos culturais pode ainda ser eficiente como muleta para a construção da tal “boa qualidade” ou “comunicabilidade” como desdobramentos de um trejeito do “nacional”? (Ainda que, agora, platinado).


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