in loco - cobertura dos festivais
Almas Silenciosas
(Ovsyanki),
de Alexei Fedorchenko (Rússia, 2010)
por Filipe Furtado
Um
filme russo
É muito curioso observar como os dois grandes
filmes russos da temporada dos festivais (Minha Felicidade,
de Sergei Losnitza, muito bem recebido em Cannes; e este Almas
Silenciosas, de Alexei Fedorchenko, premiado em Veneza) se
apresentem quase da mesma maneira: road movies que levam
à morte; dois filmes monotemáticos sobre um “estado de ser russo”.
Só que enquanto o filme de Losnitza, ainda que um tanto sufocado
pela própria tese, consegue extrair dela momentos de verdadeira
força, Almas Silenciosas parece acomodado em emoldurar-se
dentro da sua proposta.
Desde as primeiras cenas fica claro que Almas Silenciosas
grita a cada cena esta sua identidade russa, reiterando-a o tempo
todo, reposicionando-se já a partir do seu próprio nome como um
inventário de um olhar russo. É uma história simples e compacta:
dois homens partem numa viagem com o cadáver da recém-falecida
esposa de um deles, para lhe dar um funeral nos moldes da tradição
méria (etnia de origem escandinava). Todos os elementos de cena
(a paisagem, o narrador professoral, o peso da história, mesmo
a subentendida relação de poder entre os dois amigos) são cuidadosamente
delineados para garantir que este relato simples adquire um peso
extra, reitere esta idéia de alma russa para muito além da capacidade
do próprio filme de sustentá-la, não surpreende que este peso
engesse tanto Almas Silenciosas.
A
maior fragilidade reside justamente em como para levar a frente
esta sua idéia, pois Fedorchenko parece precisa abrir mão de toda
especificidade, em função de uma apresentação tão genérica que
Almas Silenciosas poderia tranquilamente se chamar “Um
Filme Russo”. Neste cenário, a grande arma do filme termina se
revelando a fotografia de Mikhail Krichman – não por acaso o mesmo
fotografo responsável por convencer o júri de Veneza a dar o Leão
de Ouro a O Retorno alguns anos atrás – que dá às imagens
em scope de Almas Silenciosas o verniz necessário
para sugerirem haver algo maior neste pequeno filme inflado. Voltando
a comparação inicial entre os dois filmes deste ano, de um lado
(Minha Felicidade) temos a exploração de uma idéia clara
do que seria este estado de espírito russo; aqui, uma moldura
envernizada do mesmo.
Novembro de 2010
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