in loco - cobertura dos festivais
A Irmã da sua Irmã (Your Sister's Sister),
de Lynn Shelton (EUA, 2012)
por Fábio Andrade
Claro e escuro
Há uma famosa anedota sobre as filmagens de Rastros
de Ódio, de John Ford: o diretor teria dito a John
Wayne que seu personagem poderia ter tido um caso com sua cunhada
e que possivelmente era o pai das personagens interpretadas por
Natalie Wood e Pippa Scott. Essa anedota serve apenas como fundamentação
para uma tensão entre as personagens que se mantém
latente em todo o filme, impressa em cada fotograma. Lynn Shelton,
diretora deste A Irmã da sua Irmã, naturalmente
não é John Ford, nem vive aquele mesmo contexto.
Mas este seu quarto longa-metragem se equilibra em tensão
semelhante: a de que alguns dos personagens em cena compartilham
um segredo a ser guardado dos outros. É esse o grande conflito
do filme e Lynn Shelton buscará sempre outras maneiras
possíveis de renová-lo, cena após cena.
A
estrutura do filme é como um triângulo giratório,
variando apenas o vértice que permanecerá na escuridão
de situação em situação. Em um primeiro
momento, é Hannah (Rosemarie DeWitt) que não sabe
do convite que sua irmã Iris (Emily Blunt) fez a Jack (Mark
Duplass); em seguida, Hannah e Jack enchem a cara, terminam na
cama e decidem que Iris não deve saber nada sobre o que
aconteceu; na mesma noite, Iris conta a Hanna que está
apaixonada por Jack, que, é claro, não faz idéia
disso. A Irmã da sua Irmã se dedica
inteiro a variações dessa mesma triangulação,
para extrair todas as tensões cênicas que ela permite,
seja uma lembrança do passado sobre depilação,
um café da manhã ruim ou uma colher de manteiga
no purê de batatas. Uma vez colocado o elefante na sala,
basta trancar três bons atores por ali e manter a câmera
atenta a cada pequena inflexão motivada por essa presença
invisível, esse dado transparente que atravessa toda palavra,
gesto e olhar.
Quando
se fala em minimalismo no cinema contemporâneo, talvez as
primeiras imagens que venham à mente nada tenham a ver
com os diálogos extensos, a montagem ágil e a câmera
solta de Lynn Shelton. Ainda assim, é bastante flagrante
que todos os filmes da diretora se escoram em um número
mínimo de elementos, compondo um pequeno fio narrativo
a ser esticado até o limite. A
Irmã da sua Irmã é praticamente um kammerspiel
e sua economia se impõe durante toda a projeção.
Passado o prólogo, todo o filme se concentrará em
uma casa – muito parecida, inclusive, com a locação
de My Effortless Brilliance (2008) – aqueles três
atores, doze dias de filmagem e este pequeno dispositivo, esse
segredo a ser guardado. Não é à toa que Jack
joga o bom tom no ventilador no prólogo do filme justamente
ao revelar um lado desconhecido de seu falecido irmão e
exigir que, se vão brindar à sua memória,
que ele seja conhecido por inteiro; A Irmã da sua Irmã
é todo feito de pequenos segredos, seguidos por pequenas
revelações, que levam a novos pequenos segredos.
É preciso desfiar o novelo para a vida seguir em frente,
mas a linha está amarrada a outra linha e, uma vez desfeito
o primeiro nó, um novo aparece logo à frente.
Até
que, lá pelas tantas, de tão esticado, o fio acaba
arrebentando e parte do filme vai com ele. Uma vez colocadas todas
as cartas na mesa, uma vez verbalizados os segredos e destruído
o dispositivo, o filme foge para um longo interlúdio musical,
como que ganhando tempo para pensar junto de seus personagens,
olhando em volta, na esperança de que algo indique o caminho
a ser seguido. A euforia do ritmo construído até
ali se perde e leva também parte de seu magnetismo. Mas
há algo de justo e admirável em como o filme se
iguala a seus personagens até em seu momento de fraqueza
e dúvida. Justo, pois uma das características mais
bonitas de A Irmã da sua Irmã é
a maneira como ele nega qualquer possibilidade de discurso alegórico,
metafórico, metalinguístico ou o que for... seus
personagens são o que lhes cabe ser, contam a história
que vivem, e o filme pode se entregar abertamente ao prazer de
partilhar esses momentos, de construir uma dramaturgia que é
seu próprio fim... a potência de A Irmã
da sua Irmã está na força simples e
incontornável das histórias bem contadas.
Essa história, porém, é contada para alguém.
É aqui que a estrutura triangular dá um último
giro em torno do próprio corpo e, com o corte final para
a tela preta no momento da última revelação
– operação ao mesmo tempo previsível
e a única possível para o filme –, sacramenta
que o triângulo giratório na verdade tinha um quarto
vértice que o tempo todo era mantido encoberto. Iris, Jack
e Hannah sabem, e o conhecimento, o desvelamento dos segredos,
é a chave para seguir em frente. Mas o que exatamente
eles sabem? Para onde vão e como vai ser o caminho até
lá? Do outro lado da tela, nos apequenamos diante desse
novo segredo, esperando no escuro até que os créditos
cheguem ao final e as luzes do cinema se acendam novamente.
Outubro de 2012
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