in loco - cobertura dos festivais

A Grande Final (La Gran Final),
de Gerardo Olivares (Espanha/Alemanha, 2006)
por Eduardo Valente

Salvos pela ficção

Confessemos: a sinopse de A Grande Final fazia esperar o pior. Com a narrativa de três extremos isolados do mundo onde os habitantes locais se esforçam para assistir à final da Copa do Mundo de 2002, todo tipo de idéias-clichê passavam pela cabeça, começando pela mais grave de todas, a do assistencialismo à la Jornal Nacional, com suas reportagens anuais do esforço do cidadão de comunidades isoladas para ir votar; e chegando ao simples exotismo que se valide por si mesmo. Não que o exotismo esteja excluído da proposta do cinema de Gerardo Olivares, é claro: ele explora ao máximo as especificidades de cada local ermo e fascinante que filma (as montanhas da Mongólia, o deserto africano e a selva amazônica), começando pela paisagem, passando pelos costumes (não por acaso o filme abre com uma caçada com o uso das águias como “animal doméstico”, na Mongólia), e finalmente chegando à musicalidade de cada lugar (utilizada numa trilha sonora tão picareta quanto adequada).

No entanto, onde Olivares dá o pulo do gato que retira seu filme de todas as más expectativas, é na simples aposta na ficção. Ou seja: desde o princípio o filme solta de lado qualquer ilusão de ser um “docudrama”, e aposta na criação de narrativas e personagens que incorporam seus não-atores de cada comunidade como autênticos “intérpretes” de si mesmos. Com isso, Olivares garante que nos interessemos por cada desenvolvimento da narrativa que se passa na tela, e não que apenas burocraticamente assistamos a uma reflexão sobre “a globalização e o arcaico nos tempos atuais” (assim, com esta cara de trabalho escolar mesmo).

Dentro do seu processo de ficcionalização, o mais feliz (e inesperado) dos elementos que Olivares incorpora é o humor. Ele não se paralisa frente à imagem dos “excluídos” globais: permite que eles sejam muitas vezes risíveis, e muitas vezes altamente críticos de si mesmos. Com isso, seu filme adquire considerável frescor, e até mesmo uma boa dose de inconformismo, ao incorporar a cada história um sentido diferente de anarquização das ordens hierárquicas. Seja na venda das páginas de Playboy no deserto, seja na partida de futebol com as águias como traves na Mongólia, seja no retrato da relação dos índios com o moderno, o filme raramente perde o tom entre a ironia e o interesse (uma exceção é a fraca cena do missionário americano – ótima idéia mal realizada).

Infelizmente, o filme não consegue segurar ao longo de toda sua narrativa a mesma força de sua primeira meia hora, e na parte final fica bem claro que ele começa a rodar em falso nas histórias já esgotadas. Ainda assim, A Grande Final é uma das agradáveis surpresas destes festivais onde geralmente de onde menos se espera, daí é que não vem nada mesmo.

 


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