in loco - cobertura dos festivais
Depois da Escola (Afterschool), de Antonio Campos
(EUA, 2008) por Paulo Santos Lima
Um
diretor querendo o controle total da imagem
Nascido
e morando em Nova York, Antonio Campos recita bem a cartilha de parte dos filmes
sobre jovens rodados nos EUA, registrando um pouco do funcionamento de uma escola
americana que serve como microcosmo simbólico das relações de poder, de regramentos
e subversões envolvendo os adolescentes. Muito por isso, Depois da Escola
atém-se na área escolar, entre salas, corredores, alojamentos e campus, esquadrinhando
a relação entre o protagonista Robert, seus colegas, namorada, a mãe ao telefone
professores, reitor e o psicólogo. Ainda que namore, e sua esquisitice não seja
lá muito diferente da média, o filme dá pistas de que Robert seja meio pancada:
a principal delas mostra-se logo no início, com o rapaz assistindo, excitado,
a cenas de violência sexual na web (ele mesmo diz, ao psicólogo, que gosta
muito porque parecem reais). O olhar do filme não parece
condescendente com o personagem, nem mesmo num registro de intimidade como a que
Gus Van Sant impõe aos adolescentes em seus filmes. Longe de ser desrespeitoso
com seu querido Robert, Campos preocupa-se, contudo, em detectar a disfunção.
Estamos, enfim, num filme-tese, e é por isso que essa comunidade estudantil e
o colégio simbolizam tipos universais: o adolescente contemporâneo, a instituição
que usa a repressão como formação e cria uma reação adversa no jovem, a proliferação
da imagem amalgamando o estado de espírito da juventude contemporânea. O
campus é o planeta Terra, ou, se menos, os EUA. Essa estrutura enrijecida e reiterativa,
contudo, não exclui o fato do longa ser muito bem filmado, escolhendo-se bem o
tempo das cenas – inclusive a ponto de mostrar em plano sem corte a primeira transa
do casal de namorados, com os devidos incômodos da mocinha virgem e o desajeito
do garoto: cena a ser vista, pois é uma das mais notáveis. Seguindo à risca uma
gramática narrativa conhecida, Campos apóia o centro orbital do filme na morte
de duas estudantes por overdose, que caem agonizando ao pé de Robert – que, pelo
plano da câmera amadora que o está filmando, parece não fazer nada, ou, segundo
alega depois, fica em choque e nem grita por socorro às pressas. Verdadeira
roda motriz do roteiro, a cena servirá para criar o mistério dramático e, sobretudo,
para Campos avançar em seus diagnósticos sobre o mal-funcionamento da instituição,
a hipocrisia geral, a demência do protagonista... enfim, a tal falência generalizada.
Haverá, a partir daqui, um vídeo em memória à morte das meninas, revelando tanto
as chagas como a hipocrisia dos colegas, a anterior negligência da escola que
acabou deixando algum de seus alunos traficar drogas pelos corredores e a conseqüente
ação repressiva, a morbidez kitsch promovida pela direção do colégio. Claro,
será Robert quem produzirá as imagens, a convite dos mestres, e ele dará um primeiro
corte bastante polêmico, que o afastará do projeto. Mas por que esse vídeo? Ora,
a imagem surge desde o primeiro plano demonstrando-se como fator cotidiano daquele
grupo, que assiste e produz imagens e narrativas visuais auto-referentes ou não.
Se ela já cumpre a função de apontar a identidade de uma geração e apontar os
sintomas da perdição existencial desse grupo, não teria por que discutir o caráter
instrumental da imagem, e seu alcance limitado. Antonio Campos, ao final, com
uma câmera que não aquela fixa que registrou de longe e pelas costas dos envolvidos
a morte das irmãs (ou seja, uma outra câmera, extra-diegética, que é mesmo a do
diretor), revelará que Robert asfixiou fria e, por isso, insanamente uma das vítimas
em seu colo. Seqüência seguinte, plano mostra uma câmera de vigilância na biblioteca
e depois o seu ponto-de-vista, observando Robert lendo de costas pra ela, e sem
poder ir além da superfície. A imagem, por si só, é limitada; ela precisa de um
comandante, o diretor, para encaminha-la à verdade dos fatos. Precisa, sempre,
de um bastão de comando cutucando-lhe. A imagem das câmeras de celular, das handycams
ou outros trecos operados pelos adolescentes é falha em relação à imagem operada
pelo diretor do filme. Um posicionamento bastante rígido, severo, por parte de
um filme. Talvez o fato do diretor Antonio Campos ser filho
do jornalista Lucas Mendes não seja uma irrelevância aqui, uma vez que Depois
da Escola é norteado pela presença de imagens de câmeras de vigilância, de
webcams, de vídeos do Youtube, de câmeras de vídeo digital e por aí afora.
Sendo o pai do cineasta um jornalista bastante conhecido da TV, é bastante curioso
o fato do seu menino ter realizado um filme que questiona a imagem e ainda a usa
para evidenciar um desarranjo dos personagens e do funcionamento do espaço onde
eles estão. Talvez, por Lucas Mendes ser um homem que se confundiu com a sua própria
imagem, cristalizado no imaginário coletivo brasileiro, Antonio Campos peleje
pelo controle total da imagem. Pelo rigor, isso pode vir a ser interessante como
realização cinematográfica, ainda que não de todo resolvido neste Depois da
Escola. Novembro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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