in loco - cobertura dos festivais
A Floresta (Shekarchi),
de Rafi Pitts (Irã/Alemanha, 2010)
por Filipe Furtado
Superfície
impenetrável
A Floresta é um filme impassível.
Sua câmera segue com distância interessada cada ação rumo
às atitudes extremas que seu protagonista toma. E por mais que
o filme nos informe de tudo que motiva seu personagem ele permanece
envolto num mesmo mistério. O método supera o drama, e o filme
celebra e expõe a força (e limites) da desdramatização, tão em
voga no cinema de festivais hoje. Filme-processo que disseca passo
a passo de uma investigação destinada a dar de cara com uma superfície
impenetrável. Mistérios de assassinato cujo assassino está claro
desde o primeiro plano.
A
Floresta é um filme extremamente fluido que varia constantemente
de registro: começa como uma observação da existência classe média
de um ex-presidiário, toma o desvio do desespero e da tragédia
quando ele recebe uma má noticia, acompanha sua reação extrema,
e por fim assume um caráter simbólico no último ato – sem que
nada disso afete a coesão do olhar. Tudo em A Floresta é transparente:
mal somos introduzidos ao seu protagonista e já somos apresentados
ao seu passado. As cenas iniciais em que ele convive com a esposa
e filha nas horas vagas não disfarçam um desconforto, um esforço
da parte dele de existir como pai de família (mais tarde um flashback
deixa isto ainda mais mastigado para o espectador). Ele só se
está confortável quando pratica com seu rifle de caça.
Rafi Pitts decidiu assumir ele mesmo o papel principal.
Intencionalmente ou não (ele substituiu seu ator central no ultimo
instante), ele se oferece como figura de escrutinização e acaba
servindo como valor maior da sua ausência de significado. É deste
comprometimento com seu personagem que Pitts extrai muito da força
de A Floresta, ainda que seja inegável que seu filme nem
sempre se equilibre bem entre o tudo revelar sobre ele e o esvaziamento
de psicologia que o acompanha. O jogo de desdramatização de A
Floresta sugere ocasionais fragilidades, assim como o caráter
alegórico do último ato – com o homem perdido na floresta com
dois policiais que representam idéias radicalmente diferentes
– nem sempre se resolve dentro do seu registro.
Novembro de 2010
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