in loco - cobertura dos festivais
A Era Atômica (L'âge
Atomique),
de Hélena Klotz (França,
2012)
por Fábio Andrade
Cinema
de laboratório
Não é nada incomum toparmos com declarações
públicas de diretores que pouco batem com o filme que vemos
na tela. Em entrevista à Cineuropa, Hélena Klotz
diz que tentava se afirmar como interventora nas imagens o máximo
possível. “(...) É por isso que as imagens
são tão românticas, estão no pólo
oposto à frieza”. Tamanha clareza de motivação
bate com certo espanto, pois A Era Atômica lembra
o cinema dos pais da diretora, Nicolas Klotz e Elizabeth Percival,
justamente pela maneira gélida, quase científica
com que lida com seu “objeto de estudo” – a
saber, uma noite na vida de dois jovens amigos que perambulam
por Paris.
Deixando de lado as intenções, essa frieza impressa
em cada pixel é justamente o que mais interessa em A
Era Atômica. Não que as imagens tendam à
abstração; ao contrário, todo plano do filme
é marcado pela busca de algo táctil, pelo movimento
sensual que aproxima e afasta os corpos. Mas a fisicalidade, aqui,
é a das placas de petri, não a das camas dos móteis.
Hélena Klotz retoma igualmente, e com surpreendente equilíbrio,
a vocação científica da câmera cinematográfica
e o desejo narrativo que redirecionou seu uso. Estamos, de fato,
diante de uma história humana, demasiado humana –
a julgar pela parte final do filme uma história tão
antiga quanto a própria humanidade, que apenas se repete
sistematicamente em novos corpos, mas em uma mesma floresta ancestral–
mas o filme o tempo todo chama atenção para o fato
de que humanos não são mais que corpos, conjuntos
de átomos a flutuar no espaço.
Essa
inclinação científica, naturalmente, se expressa
logo no título, e é reafirmada a cada novo ato de
A Era Atômica. A cena, aqui, é uma espécie
de laboratório científico, mas tirando da comparação
tanto o peso do clichê do diretor que trata personagens
como cobaias, quanto a liberdade de improvisação
do termo no teatro. Os corpos reagem às luzes estroboscópicas
da boate como se elas fossem raios catódicos, capazes de
espatifar o sujeito em prótons e elétrons, em polaridades
positivas e negativas.
Atração e repulsa. As leis da noite são somente
essas e as personagens do filme oscilam de um pólo a outro
sem muita lógica ou sentimento, seguindo um balé
de humores que pode transformar, num piscar de olhos, a expectativa
de um beijo em um tapa na cara. Para chegar a essa sensação,
Hélena Klotz trabalha seu material com admirável
despudor. Sim, A Era Atômica é frio e distante,
mas a manipulação envolvente de imagem e (principalmente)
som parecem afirmar o tempo todo que essa frieza nos diz respeito.
Em um dos mais belos momentos do filme, os dois protagonistas
finalmente saem no braço com um grupo de babacas que encontram
na rua. Na irrupção da violência, a trilha-sonora
é suavemente invadida pelo cândido dedilhado de “Lord
Can You Hear Me”, canção do Spacemen 3. Se
a expectativa de um beijo se transforma em um tapa na cara –
ou vice-versa – é porque não há diferença
entre os dois. A geração atômica ansia por
contato, qualquer contato.
O
resultado desse estudo de humores, tão imprevisíveis
em seus desejos, tende a um profundo e inescapável individualismo.
Essa sensação é reafirmada por uma opção
bastante curiosa no som do filme, com diálogos que mais
parecem voice over, pairando com tranquilidade perturbadora
sobre as pancadas incessantes da música eletrônica.
É como se os jovens noturnos dos dias de hoje se comunicassem
em uma esfera à parte, acima da vivência corriqueira,
sensibilidade flutuante em plácidas ondas sonoras. O desejo
é uma forma de telepatia. No meio de todo o aparente caos
que ameaça cada lúgubre sequência do filme,
as personagens de A Era Atômica pairam feito seres
sobrenaturais, desconectadas sonora e sensivelmente do entorno
e uns dos outros. São mais vampiros do que anjos. A era
atômica é a era do indivíduo, do nome do indivisível
(a-tomo), do eu. É a era da eterna solidão.
Outubro de 2012
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