in loco - cobertura dos festivais

Acne (Acné), de Federico Veiroj
(Uruguai/Argentina/México/Espanha/EUA, 2008)
por Eduardo Valente

Aqueles dias

Nesta sua estréia em longa-metragens, o uruguaio Federico Veiroj certamente sabe que está mexendo em material já mais do que batido e rebatido ao fazer uma comédia (um tanto acridoce, é verdade) sobre um garoto de 13 anos lidando com as dificuldades da idade – que incluem, é claro, o relacionamento com as meninas. Até por isso, faz sentido sua opção por realizar um filme não somente baseado num formato bastante episódico e acumulativo (onde, num certo sentido, várias das sequências seriam intercambiáveis), como um que sente que algumas imagens, de tão batidas, pedem uma aproximação diferente.

É o que ele faz, por exemplo, ao lidar com o tema do divórcio dos pais do protagonista. Ao invés de alguma longa cena expositiva da questão ou da exploração do relacionamento dos pais pelo lado do doentio de algo perto do fim (alguma grande discussão ou algo assim), Veiroj prefere filmar apenas três cenas, cada uma com um plano, colocadas em distintos momentos: numa, os 3 filhos ouvem por trás da porta uma conversa com o advogado onde se escuta somente a leitura de uma lista de partilha; na outra, os meninos empacotam alguns objetos; na última, o pai chega para trocar de carro, como havíamos ouvido ser mencionado na cena do advogado. Pronto, estão divorciados, e na cena seguinte em que o pai aparece vemos tão somente os três filhos comendo com ele numa mesa pequena de uma sala ainda mal-ajambrada, do que entendemos ser o novo apartamento paterno. Esta forma de lidar com as informações narrativas é o grande trunfo de Veiroj na regência de seu Acne: ficamos quase sempre com o mínimo necessário para subentendermos quase tudo, e com isso ele assegura que Rafael pareça-se tanto com cada um dos espectadores ao mesmo tempo que entendemos tudo o que ele tem de único.

Também chama a atenção a maneira como o filme se recusa a cair no registro do trauma por si mesmo: o divórcio, por exemplo, surge em cena não como um grande marco doentio na vida dos filhos, mas como apenas um dado a mais que eles não compreendem muito bem e tentam lidar com ele. A mesma coisa vale para as cenas de sexo, que nas mãos de qualquer cineasta mais “polemista” certamente descambariam para o campo da perversão – que muitas vezes pode ser tão ingênuo e clichê quanto uma certa assepsia sexual em outros registros de infância. Veiroj não foge de lidar com vários momentos de estranheza para o personagem (como a cena do protagonista com a irmã no sofá de casa ou o encontro com o pai na porta do prostíbulo), mas isso tudo surge de uma tal maneira naturalizado que reconhecemos ali simplesmente as partes de um quebra-cabeça que ajuda a formar um jovem.

De fato, é notável a maneira como Veiroj consegue dar a seu protagonista uma certa sensação (rara no cinema) de um desamparo quieto frente aos desafios de uma vida que já não tem a simplicidade da infância, mas também não nos dá ferramentas mínimas para lidar com as novas complicações (e nisso é genial que Rafael não tenha nenhum problema com sexo, pois o pratica com prostitutas e a empregada desde cedo; mas que morra de ansiedade pelo beijo na boca). Para conseguir dar corpo a esse sentimento, é impressionante a maneira como Veiroj alcança o timing preciso e específico dos constrangimentos desta idade (temos aqui algumas das melhores cenas de sala de aula em algum tempo, além de que as gravações em VHS chegam a ser brilhantes). Na verdade, o sentimento que o filme consegue transmitir tão bem é aquela sensação típica da idade de seu protagonista de que nada no mundo é exatamente tão importante quanto aquelas mínimas coisas à sua volta, mas curiosamente o mundo continua girando independente de como estas se solucionarão (e neste sentido, a cena final é realmente um primor de solução audiovisual para uma situação onde apelar ao clichê seria bem fácil).

É verdade, porém, que Acne se acomoda no seu formato e em alguns momentos o tédio adolescente, que o filme tão bem percebe e registra nos pequenos rituais, deixa de ser só do personagem e chega ao espectador. É um risco inerente a um formato híbrido onde o objetivo de nosso “herói” é tão uno (beijar na boca) e ao mesmo tempo se busca um cinema de sensações e relacionamentos baseado em muito na repetição. Com isso, em determinados momentos o filme parece mais forte nas partes, nos pequenos momentos que consegue construir (com a ajuda de ótimos atores, principalmente os mais jovens), do que na articulação entre eles. Não chega a ser surpreendente, aliás, descobrirmos que o personagem de Rafael protagonizou o único curta dirigido por Veiroj antes deste filme: sentimos que os 90 minutos de Acne talvez sejam um pouco demais. Mas, pensando bem, naquela idade tudo sempre parece que vai demorar uma eternidade para passar – talvez até nisso Acne seja extremamente fiel ao seu personagem.

Outubro de 2008

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