in loco - cobertura dos festivais
A Boca do Lobo (La Bocca del Lupo),
de Pietro Marcelo (Itália, 2009);
Os Lábios (Los Labios),
de Santiago Loza e Iván Fund (Argentina, 2010)
por Fábio Andrade
O
retorno dos dispositivos
É bastante sintomático o quão difícil
é lidar com A Boca do Lobo (foto) e Os Lábios
sem falar de seus dispositivos, em uma época em que o termo
"dispositivo", de presença tão comum nas
discussões cinematográficas há quatro ou
cinco anos, já aparece desgastado, seja em frequência
de uso ou em significado. Em ambos os filmes, uma deliberação
externa norteia a criação e organização
do material, tensionando a relação entre a auto-fabulação
e o documentário. Em Os Lábios isso é
explícito: assim como acontecia em Iracema, de
Jorge Bodanzky (para lembrarmos um), Santiago Loza e Iván
Fund colocam três atrizes interpretando agentes de saúde
que viajam pelos grotões da Argentina, servindo a população
local. O dispositivo seria justamente esse encontro da encenação
profissional com personagens que, em tese, apenas reagem a este
encontro como "elas mesmas". Já A Boca do
Lobo parte de uma divisão de imagem e banda sonora
que faz lembrar os primeiros documentários de Chantal Akerman:
vemos imagens das ruas da cidade, das pessoas nos bares, enquanto
ouvimos, entre um e outro depoimento, cartas de amor que falam
de prisão, ciúme e desejo.
A
Boca do Lobo e Os Lábios (foto) são,
portanto, filmes feitos para o papel, mais do que para serem assistidos.
No caso do filme de Pietro Marcelo, a estrutura amarra o tema (o
amor entre dois homossexuais ao longo das décadas) com rigor
e justeza, mas sem qualquer traço de pulsação.
Já Os Lábios se perde por completo na repetição
cotidiana das consultas médicas e na sistematização
de quem só filma rostos de perto e sempre de perfil, esperando
que breves respiros de vida venham a surpreender a base estanque
na qual o filme se finca. Como eles não vêm, os diretores
o produzem na gratuidade autoritária do final aberto, e conciliador.
Premiados em Berlim (A Boca do Lobo) e Cannes (Os Lábios),
são ambos filmes que hoje existem por aí aos baldes,
e fazem pouco mais do que afirmar - mesmo que com rigor e justeza
- seu receio em se comprometer com qualquer coisa além de
sua própria indefinição.
Setembro
de 2010
editoria@revistacinetica.com.br |