in loco - cobertura dos festivais
A Balada do Provisório,
de Felipe David Rodrigues
(Brasil, 2012)
por Fabian Cantieri
No Rio de Janeiro não existe Chinatown
O
provisório é um estado de contingência, de
efemeridade, de passagem para algo que ainda não é.
Nesse sentido, o título do primeiro longa de Felipe David
Rodrigues diz muito sobre si mesmo. É uma eterna transitoriedade
para algo, mas um algo que nunca chega. Sua fotografia em preto
e branco, com altos contrastes e luz dura, remete ao noir;
suas gags visuais remontam à comédia de
um cinema mudo; suas piadas, a um certo cinema brasileiro escrachado
setentista; seus personagens poderiam aflorar o que de melhor
(e pior) há no espírito da malandragem carioca.
Essa reverberação de uma memória estilística,
cinematográfica, na prática, não é
um problema, seu problema está na raiz, ou melhor dizendo,
na falta de uma. Pois esses ecos não fazem muito mais
do que tocar a lembrança de um gênero, de um estilo,
de um certo tipo de cinema ou personagem... mas, ao primeiro instante
do toque, se esvai a essência, a raison d’être
da referência.
Não
que a incorporação seja necessária, jamais
– há de se brincar com gêneros, há de
se fugir deles. O problema é suscitar essas memórias
sem alcançá-las ou refutá-las, sem abraçá-las
ou criticá-las. É não estar no noir e
não conseguir fugir dele, é pretender à comédia
sem levantar o riso, é almejar o céu sem ser dotado
de Graça. É nesse sentido que, enquanto sua narrativa
está sempre à deriva de um estado de placidez, de
aparente consciência de onde quer chegar, do outro lado
o que fica é uma ansiedade provisória, uma ansiedade
de enfim chegar a algum lugar – senão um clímax,
algo que irrompa da languidez da mise en scène.
Esse ato nunca chega, nem nas melhores cenas como a de Mariana
lendo um poema para André. Ali, existe uma potência,
a maior e única talvez, mas que não se deflagra
pela aposta no clichê de velhas piadas (“poesia é
coisa de viado”/“quanto mais viado melhor, assim sobra
mais mulher no mundo”) que simplesmente já não
surtem mais efeito nenhum, mesmo quando reconfiguradas a outros
contextos.
E,
para além da configuração de uma comédia
sem graça, A Balada do Provisório recai
sobre um problema ainda pior e sintomático: querer dialogar
com a cidade, com o Rio de Janeiro e seu entorno, a partir de
uma certa compreensão de seu espírito que se dissolve
no ato de filmar. O belo insight de roteiro de incluir
uma atriz de “teatro picareta experimental” é
de alguém que ao menos tem contato com uma certa roda das
ruas cariocas, uma roda que respira um ar sério ao declamar
um poema e se encontra no podrão da rua com seus amigos
posers (pra não ficar só no homossexualismo),
mas esse podrão se desmaterializa do imaginário
no fantástico impalpável de uma gorda cachorra que
faz qualquer coisa por carne.
Ruas sem barulhos, limpas, vazias, perfeitas ou fantásticas
demais. Uma Chinatown que não existe no Rio de Janeiro.
Não porque não caiba ou não possa caber,
mas por que é uma Chinatown indecisa quanto a sua formação.
Em A Balada do Provisório, temos um detetive que
vai ignorando aos poucos suas demandas para fugir daquele centro
com sua amada. É a metáfora perfeita de alguém
que aos poucos foi abandonando todo o potencial material que tinha
em mãos, para filmar, ao fim, um ménage a trois
que não é mostrado.
Dezembro de 2012
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