in loco - cobertura dos festivais

A Amada (L'Aimée), de Arnaud Despleschin (França, 2007)
por Eduardo Valente

Tempo, tempo, tempo

O documentário de Despleschin tem um curioso tom de caderno de notas, nos lembrando de uma série de experiências que temos visto cada vez mais na era digital (embora, curiosamente, o filme seja feito em película) da câmera como lápis, como possibilidade de anotar algo. Mas Despleschin não dá somente ao filme o tom do "diário", mas também o da investigação, como a de um autêntico arqueólogo – exceto que ele está escavando as memórias da sua própria família, entrevistando o seu próprio pai.

Desde os primeiros planos, fica claro que é um filme sobre a ausência: primeiro, sobre a ausência de uma casa que, por estar sendo posta à venda, já aparece como uma casa vazia (mas assombrada de memórias e de História); mas logo vemos que é acima de tudo sobre a ausência de uma mãe – a avó de Despleschin, que morreu aos 35 anos quando o pai dele mal tinha um ano de idade. No entanto, à la Rebecca (e os ecos hitchcockianos surgem inclusive com o uso de trechos de Bernard Herrmann na trilha sonora), esta ausência é estruturante em toda a história daquela família.

Não se trata, porém, de um filme nostálgico: Despleschin faz questão de seguidamente filmar seus pequenos sobrinhos que brincam sobre os "escombros" da casa a ser abandonada, deixando clara a presença da idéia de transmissão de continuidade. De fato, o filme trata destas três fases da vida: a inconsciência da infância (representada tanto pelos sobrinhos quanto pelas não-lembranças do pai – então um bebê – sobre a própria mãe, enquanto para ela ele representava a coisa mais importante); o desejo do saber da idade adulta (em que um Despleschin especialmente curioso surge como representante); e finalmente a consciência da finitude e a tranquilidade da velhice do pai de Despleschin.

Curioso notar, como fez Jean Marc-Lalanne no blog da Inrockuptibles quando do Festival de Veneza (onde os dois foram exibidos em sessão paralela), que, ao contrário do que acontece com o documentário novo de Jia Zhang-ke (cujas fronteiras e hierarquias com seu cinema ficcional são difíceis de traçar), este filme surge como um reconhecido "filme menor" da parte de Despleschin. Tanto assim que por um lado ele ecoa seus filmes anteriores (notadamente Reis e Rainha, com a idéia da adoção e da família em primeiro plano), mas também parece servir de momento de respiro, de busca de informações para um futuro projeto. E também tem a força-motriz (já vista nos festivais deste ano com De Volta à Normandia) de um filho, cineasta, que busca eternizar seu pai (e, aqui, sua casa de infância), que tenta, em suma, se agarrar ao tempo que não cessa de passar e devorar a todos – como a tuberculose que devorou sua avó.

Outubro de 2007


editoria@revistacinetica.com.br


« Volta