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Frações de Uma Quase História, de Armando Mendz, Cris Azzi, Cristiano Abud,
Guilherme Fiúza, Lucas Gontijo e Thales Bahia (Brasil, 2007) por
Paulo Santos Lima A
parte e o todo
Por mais que 5 Frações de Uma Quase História
pretenda ser um filme de corpo único, histórias funcionando entre elas como um
organismo imagético, o resultado é nada além de um agregado de curtas. O que não
seria um problema, já que há vários longas bastante interessantes reunindo pequenos
filmes isolados (Rogopag, Contos de Nova Iorque seriam apenas dois
exemplos), mas são principalmente os anéis que interligam as cinco histórias desta
produção mineira que resultam um tanto canhestros. Aqui, é uma bala perdida numa
praça, o calor infernal que faz em Belo Horizonte e a própria capital mineira
assolada por seu cosmopolitismo que servem de laço – nada além.
Não
havendo um revezamento entre as passagens que responda a algo central na narrativa
(como há num Shortcuts ou Conceição – Autor Bom É Autor Morto, filmes-esquete
de fato orgânicos), não há como se aproximar de 5 Frações sem ferir as
intenções de sua equipe, sem deixar de pedir desculpas a ela e lê-lo por seus
fragmentos. Ou, de repente até, tentarmos encontrar o que há de comunhão entre
essas peças autônomas, o que já é mais interessante, desafiador, uma vez que a
realização desse projeto é, usando os exemplos acima, bem diferente de Conceição,
que é uma direção coletiva, e mais ainda de Shortcuts, assinado por um
só diretor, Robert Altman, o que confere a ambos os títulos uma identidade visual. A
introdução de 5 Frações de Uma Quase História reúne pequenos trechos do
que virá pela frente, todos amarrados por tomadas aéreas e gerais de BH, mostrando
em fluxo acelerado os acontecimentos do céu e do asfalto, numa idéia de que aquele
espaço é puro frenesi agônico, algo potencializado pelo relato radiofônico que
perpassa esse início. Veremos, ao correr do filme, essas imagens no contexto delas,
o que resulta mais em redundância, em repetição “esperta”, do que em reestruturação
de sentido (exceto no caso do homem traído, que afunda num bar e com a cabeça
a vomitar num vaso sanitário). Curioso
é que essa introdução “enfartada” (até pelos cortes secos, tudo móvel, rápido,
clipado) contrasta com o primeiro episódio, sobre um podólatra (Leonardo Medeiros,
muito bem, diga-se) que cria constrangimentos com sua tara, e que nos lembra (não
pela fotografia estilizada em PB) as pornochanchadas, resultando em algo que poderíamos
chamar “cult chanchadesco”. A montagem mais calma, sem picote de planos ou imagens
ultra-estilizadas como as que o antecedem, mantém a gramática típica da comédia
de costumes, crônica urbana brasileira anos 70-80. Mas aqui se confirma um curta-metragem
de fato, inclusive com piada final bem fechadinha. O que aliás acontece com as
outras passagens, nenhuma delas abrindo brechas para a história seguinte. De fato,
um filme de crônicas auto-suficientes, e não procedentes. A
segunda história é mais semelhante ao prólogo: um delírio pós-moderno psico, sobre
um sujeito que repete (mentalmente, talvez) o conteúdo desairoso da TV. Tudo,
aqui, é estetizado e apresentado em pulsação ultrassônica, colando cenas que não
se casam, tirando a chance de compreensão clara. A TV a que o personagem assiste
afundado no sofá ao final serve de ponte para aquela que o loser vê no
curta seguinte (sim, estamos num filme ao estilo de Guillermo Arriaga, com seus
ganchos-objeto). Um juiz mata a amante e pede a ele para assumir a autoria do
crime em troca de um pagamento generoso. Também longe do naturalismo, criando
efeitos “espertos” (como alternar os dois atores quando o juiz lhe conta sobre
o que aconteceu) parece um filme da primeira fase da Conspiração Filmes. Um thriller
policial. O
golpe homicida equaliza-se com as peças de carne bovina sendo golpeada no quarto
esquete, que introduz o ofício do homem cuja mulher o trai. Nada a acrescentar
sobre a forma, assim como o último, que assume o tom cômico para falar sobre maluquinha
que força, com arma apontada e tal, um cafajeste a se casar com ela, ali mesmo,
in loco. É a história menos estilizada, inclusive utilizando não-atores,
mas que cumpre o papel de anelar as partes (é dela o pé fotografado, agora em
cores, pelo tarado do episódio 1 e também a responsável pela tal bala perdida). O
filme, portanto, mesmo alternando dramas e comédias, é de inclinação fatalista,
no qual os personagens são “oficialmente” resultados de um meio áspero (“oficialmente”
porque BH se faz questão em termos, mais como algo imposto pela introdução inicial
e presente no segundo curta), mas, pelo filme, parecem mais desgraçados existenciais,
todos tentando tirar pedras pelo caminho. Isso não dá nenhuma coesão ao filme,
uma vez que é no estilo que se congrega materiais, o que, efetivamente, soa mais
como reutilizações de estilos utilizados na cinematografia contemporânea – o que
não seria falha, caso a dramaturgia fosse mais elevada e não houvesse a desairosa
opção em se fazer uma “peça única”. Os atores de selo reconhecível (além de Medeiros,
temos Jece Valadão, Cláudio Jaborandy, Gero Camilo, Cynthia Falabella) tanto desnudam
os problemas de direção como confirmam a tentativa de legitimação. Legitimação,
esta, que de modo algum é nociva, pelo contrário, mas cadê a opção de se chegar
ao limite? Por que tentar a legitimação no longa-metragem por caminho tão desgastado
como o da fórmula “histórias que se cruzam”? Cadê, efetivamente, o projeto estético
de cada um dos realizadores: Cristiano Abud, Cris Azzi, Thales Bahia, Guilherme
Fiúza, Lucas Gontijo e Armando Mendz? Em cada um dos trechos? Mas esses trechos
não respondem a um sol que os congrega, segundo diz o projeto do longa e seu título?
Assim sendo, a produtora Camisa Listrada teria ela uma unidade e projeto estéticos? São
perguntas a serem respondidas pelos realizadores, por seus futuros filmes. É nas
imagens que está a resposta do cinema ao mundo. Daí que um título convida a ver
ou não um filme, dá-lhe o número do RG, mas não responde ao que ele mostra na
tela. 5 Frações de Uma Quase História não é filme de uma quase história,
mas de algumas quase histórias. É, assim, um quase filme. Outubro
de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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