eletrônica
Imagens de um 3 de abril
por Cléber Eduardo



Acabou a era dos paraísos fiscais, anuncia a manchete do jornal. Começou a vigilância sobre o fora de quadro das movimentações bancárias. Vigilância e fora de quadro, palavras chaves de um 3 de abril. No templo da decisão, Londres, reunião do G 20, Obama turbina Lula. Ouvimos a declaração de admiração, “esse é o cara”, “adoro esse cara”, “cara mais popular do mundo”, enquanto vemos Obama, ao chegar em Lula, estendendo a mão com entusiasmo. Ouvimos também a tradução, omitida em alguns telenoticiários, mas transmitida em outros. Havia um intermediário de língua portuguesa na rodinha, uma camada a mais, que é apagada em algumas veiculações. Em outras, não vemos a continuação da cena, Lula puxando Obama pela mão, falando algo ao pé do ouvido. Temos essa imagem, que diz muito da cena e de Lula, mas não temos o som. O ponto de escuta desaparece.  A imagem sem som é mais forte, porque deixa algo fora do campo sonoro, dramatizando essa ausência. O som poderia banalizar o pé de ouvido. Lula dribla essa banalização, encontra uma zona de escape, cria um fora de quadro dentro do quadro. Ele dirige a cena dirigida por outros.

O fora de quadro, mas não de campo, é a questão, se a questão for a imagem e não a experiência direta, em outra telenotícia. Policiais espancam na rua alguns civis. Uma câmera de segurança, essa para denunciar, não para o espetáculo, enquadra a agressão policial. Quando a situação esquenta, uma panorâmica, para a lateral esquerda, desenquadra a ação. Vemos imagens da rua, mas a rua, tal qual mostrada, ainda remete ao quadro anterior, porque reage a ele, porque mostra pessoas que, diante da ação na vizinhança, dirige seu olhar para lá, onde sabemos haver uma agressão antes enquadrada. A “terra oculta”, como coloca Pascal Bonitzer, é ainda visível (na invisibilidade, por continuidade). O operador não precisa ter lido nada sobre a característica centrífuga da imagem expandida para o fora de quadro (o fora de quadro como constituinte do campo da imagem), não precisa saber sobre o que escreveram a respeito (Noel Burch, Bonitzer), não precisa ter visto As Meninas, de Velasquez, nem tomado contato com as reflexões sobre o quadro, onde as meninas olham seus pais que estão refletidos no espelho, exatamente onde estaria o pintor e onde estamos nós próprios.

O operador sabe na prática que uma panorâmica não desenquadra, mas reenquadra, porque o enquadramento anterior sobrevive, deixa marcas e permanece em quadro como extensão de nossa visão. O operador reenquadra novamente, tira a câmera da rua e eleva para o céu, onde ninguém estará olhando para ação, onde não há raccord de olhar, onde a imagem em movimento se torna uma imagem congelada, torna-se centrípeta como em muitas fotografias e a maior parte da pintura. A panorâmica do policial é uma questão de moral. É imoral em seu esforço para omitir.

Abril de 2009

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta