360, de Fernando Meirelles
(Inglaterra/França/Áustria, 2011)
por Filipe Furtado
O mundo como um estúdio londrino
O momento em que 360 parece mais à
vontade talvez seja aquele em que a câmera de Fernando Meirelles
se permite repousar sobre a figura de um Jude Law nervoso demais
para abordar uma prostituta num bar de hotel. Essa certa aflição
é um dos sentimentos mais marcantes de boa parte da produção
europeia contemporânea, em particular aquela que depende
de uma estrutura de financiamento maior. O filme consistentemente
precisa servir como prestação de contas, pronto
a justificar sua própria relevância. Suas imagens,
constantemente acuadas, marcadas por uma tensão que existe
menos pelo temor da descoberta do plano seguinte e muito mais
pela insegurança com seu plano anterior.
360 é um exemplar perfeito deste cinema paralisado,
tão acuado pelas realidades do mercado quanto o mais vagabundo
dos filmes americanos. É um filme muito menos interessado
em lançar um olhar sobre Schnitzler do que em usá-lo
para aplacar esta ansiedade. Dentro deste contexto, o apelo das
grandes ideias é inapelável, e é para elas
que 360 se entrega. O que Fernando Meirelles e seu roteirista
Peter Morgan fazem é pegar a estrutura de Schnitzler e
aplicar a ela uma série de observações já
prontas. Saem um olhar e um grupo de personagens, e colocam-se
em cena conceitos e símbolos. O filme existe numa contradição
muito peculiar: um trabalho de dramaturgia completamente desinteressado
por dramaturgia, submergindo o espaço cênico e o
simples conceito de sequências em uma estratégia
na qual as cenas só existem como ligação
para o “estamos todos conectados no mundo global”,
que o roteiro de Morgan emprega.
360 é um filme que ambiciona sobreviver dentro de uma ideia de contemporaneidade e a alcança perfeitamente justamente ao se assumir como sintoma dela. O especifico sempre escapa ao filme, que impregna sequência após sequência com a mesma batida de atores tentando encontrar uma dramaturgia em um material que escapa aos interesses do filme. O trabalho duro de olhar uma situação e dali extrair algo dela é substituído por algumas generalidades, nas quais Morgan e Meirelles se apoiam repetidamente. A ideia de circularidade é usada aqui como um escape fácil, que permite a Morgan passar de uma anedota para a seguinte sem jamais desenvolvê-las minimamente, confiante que o conceito e bom trabalho dos atores permitirá que o formato funcione.
O
“Reigen” de Arthur Schnitzler (popularizada mundialmente
pelo La Ronde, de Max Ophuls) se transforma aqui num
360 perfeitamente universal e genérico - que fala
a todos e, por consequência, a ninguém. Não
deixa de ser informativa, neste sentido, a trajetória de
Fernando Meirelles de Domesticas e Cidade de Deus
– filmes que, independente, de suas maiores ou menores qualidades,
nascem de locais bem específicos – para Ensaio
sobre a Cegueira e este 360, que buscam intencionalmente
se anular rumo ao mesmo lugar nenhum (explicito no primeiro filme
e implícito neste novo), em que as imagens buscam reduzir
todas as suas locações ao mesmo espaço genérico
contemporâneo que poderia ser reproduzido num mesmo estúdio
londrino.
O filme como um todo sugere uma espécie de Alejandro Gonzales Iñarritu dopado, em que as mesmas estratégias narrativas que fizeram a carreira do cineasta mexicano são reproduzidas, com a sua agressividade substituída pelos bons modos do mais caricatural cinema britânico (quando é preciso representar um assassinato, por exemplo, Meirelles não filma ação, mas somente um terceiro personagem observando à distancia). Iñarritu, claro, é o mestre maior deste cinema globalizado apreensivo, e não surpreende que 360 busque se afirmar como um subproduto do cinema dele. O filme não deixa de ser um triunfo desta ideia de mercado (se um mercado movido frequentemente pelo prestígio, mais do que por puras considerações financeiras); ao cinema, resta ser apenas um detalhe, alijado pelo grande tema que aplaca a aflição dos seus realizadores.
Setembro de 2012
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