1972 (1972), de José
Emílio Rondeau (Brasil, 2006)
por Eduardo Valente
A
difícil arte da ambiciosa despretensão
A notícia parece ótima: um filme sobre jovens
que descobrem o amor, numa estrutura de cinema que, mesmo passado
em plena ditadura, privilegia a leveza das pequenas histórias
individuais como ambiente preferencial. Afinal, entre tantos gêneros
e temas que o cinema brasileiro aborda, é impressionante o pouco
interesse em falar de jovens e para jovens, e de se aproximar
dos anos da ditadura militar permitindo um respiro diferenciado.
Só que, quase sempre, para toda notícia boa há
uma muito pior vindo atrás. E a má notícia é que, independente
do ponto de partida de interesse, e do claro amor pelo projeto
que o diretor e a roteirista-produtora possuem (até por se tratar
de história assumidamente autobiográfica), seria preciso um esforço
de boa vontade enorme demais para chamar 1972 de um filme
bem resolvido. E o motivo para isso é bastante compreensível:
se o cinema narrativo pede dos seus realizadores o domínio de
um determinado tripé, ele seria o de roteiro/direção/elenco –
e é justamente nesse tripé que se encontram as maiores dificuldades
do filme, deixando todas as boas intenções de sua realização um
tanto capengas.
O primeiro problema é de roteiro: se, de fato,
não se poderia esperar muitas surpresas na estrutura de um gênero
tão explorado como a comédia romântica adolescente (menino conhece
menina, romance enfrenta dificuldades, menino ganha a menina),
todo o segredo do sucesso está nos detalhes. Pois é justamente
neles que o roteiro de 1972 peca: a construção do ambiente
onde se desenvolverá a velha história de amor carece de qualquer
interesse paralelo que permita que ali se instaure a graça que
renove nosso desejo de acompanhar mais uma vez esta mesma história.
De um lado, a ausência de ambientes em torno dos protagonistas
(não existem familiares, a ditadura surge como tema menor de maneira
incrivelmente frágil, e só o patrão-colega da menina tem alguma
força, pouquíssimo explorada); de outro, as personagens coadjuvantes
incrivelmente fracas e desprovidas do charme conquistador que
coadjuvantes em histórias de amor sempre precisam exercer para
dar maior vôo a ela. Finalmente, o filme fica refém de uma estrutura
dramática construída não só na base da obviedade dos seus “pontos
de virada”, como colocada em cena com uma arbitrariedade tremenda
(é especialmente incômoda e pro-forma a separação do casal numa
festa, a virada de “personalidade” subseqüente do menino, o momento
da “lição” com o personagem sábio e depois o reencontro na rádio).
Claro,
mesmo com todos estes momentos de estrutura, o filme poderia ganhar
muita graça com um tratamento cinematográfico diferenciado, ou
com um elenco de incrível magnetismo. Infelizmente, isso é tudo
que o filme não tem, e aí os problemas de roteiro passam a tomar
a frente da atenção do espectador, porque não há nada visualmente
na tela para nos distrair dele. É preciso admitir as dificuldades
normais que Rondeau enfrenta como um diretor estreante, uma vez
que optou por dois dos maiores desafios que se pode escolher:
um filme de gênero (com suas regras tão decodificadas) e um filme
de época com baixo orçamento (e todas as dificuldades de encenação
que isso cria). O resultado, mortal num filme que precisa ser
leve e vibrante, é uma angustiante falta de ritmo, onde não dá
para não perceber a câmera desencontrada entre momentos de movimentação
despropositada (a seqüência de diálogo da menina com sua editora
logo no começo é exemplar) e uma certa frontalidade paralisada
em muitas outras cenas, onde a mise-en-scène parece parar
para que seus atores leiam seus diálogos.
E aí entramos no terceiro problema grave do filme:
os atores fazem da leitura dos diálogos do filme (não especialmente
felizes, é verdade) um espetáculo, em sua maior parte, desprovido
de charme. O casal de protagonistas possui uma tal ausência de
química que, não poucas vezes, ficamos torcendo para que algum
outro personagem entre em cena e dê uma virada na história. Entre
os coadjuvantes, tanto o sidekick do rapaz quanto o suposto
segundo interesse da menina são figuras apagadas para além de
suas funções narrativas. Sobra para a melhor amiga dela e para
o baterista mudo as poucas cenas de frescor no filme, mas ambos
são incrivelmente subutilizados. Finalmente, temos Tony Tornado
num esquisitíssimo papel de Mestre dos Magos militar-sensível
que parece querer conectar a história à realidade da ditadura,
e ao mesmo tempo tirá-la da prisão do mesmo grupo de jovens, mas
que não funciona em nenhuma das duas funções. Entre as arbitrariedades
dramáticas do filme, nenhuma chega perto de suas entradas em cena
e diálogos (“eu hoje namoro a Dona Garrafa” é um deles).
É uma pena ver 1972 se resolver mal, tantos
seriam os bons motivos para querermos que fosse um grande filme.
Só que, para um filme de estréia de tantos (diretor, roteirista,
muitos do elenco), as ambições de fazer um leve filme de gênero
(algo muito complexo), e ao mesmo tempo equacionar seu tom com
o peso natural de algumas características do entorno (especificamente
a época, pelo peso do momento histórico e a necessidade da reconstituição;
além do formato de traçar certo painel da música e cultura jovem
de um tempo) acabaram se provando mais pesadas do que o frágil
tripé de sustentação do filme consegue equilibrar. Mas, é inegável:
o filme cai batendo, tentando algo de diferente – é mais do que
muitos exemplares de cinema medíocre podem reivindicar.
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