em primeira pessoa
1, 2, 3...
por Cezar Migliorin

As três primeiras seqüências de Cartola, do Lírio Ferreira e do Hilton Lacerda, dão vontade de cinema.
As memórias começam pelo fim. Uma morte em um cemitério cheio, o morto é famoso.

1
O primeiro plano começa no céu. O primeiro som é aquele do contato que a agulha fazia com o vinil. Ok, é verdade que se anda ouvindo vinil. É lindo! Pena que não vendem toca-discos nas Casas Bahia em 72 vezes no carnê.

A primeira frase: tudo encerrado. Assim a começa primeira seqüência que termina com um homem que olha para a câmera, veste terno branco e com os braços para o ar grita algo que não conseguimos ler nos lábios; não há som direto. Este plano começa no exato momento em que a música acaba – este é o penúltimo plano da seqüência. O último é das flores no caixão. Do céu às flores Cartola canta.

O homem que grita mudo deixa um buraco. Lugar estranho esse do homem. Não é o povo triste no enterro, não é o povo alegre no carnaval.

2
A segunda seqüência. A voz começa em off.
Por que os montadores fazem isso?
Antecipar a voz é como que um gesto automático. Ande com uma só perna!, dá vontade de dizer.
Mas se o som não é antecipado as seqüências ficariam blocadas e o filme perde em fluidez.
Como argumentar diante da verdade? Mas qual é mesmo a vantagem da fluidez?

Bem, a segunda seqüência começa logo depois de um breve crédito.
Em off os dados pessoais, “eu nasci...”
A imagem em PB mostra uma caveira deitada e sobre ela um microfone se arrasta dando a ver a trilha sendo composta.

Uma beleza. A imagem aparece de cabeça para baixo, transformando o microfone em espada e detector de minas.

3
Mas há ainda uma terceira seqüência. O som da música é antecipado. Eu já havia feito essa crítica em relação à segunda seqüência, mas aqui a fluidez é mantida novamente.

Laranjeiras, Arrepiados, VerdeeRosa. O diabo carnavalesco corre lento no meio das imagens. Lá e cá, na cor e no PB saímos da morte, do enterro e da caveira para a vida começar com o demo.

+ Muitas sequências

Depois das três primeiras seqüências há um filme. Normalmente o cinema é feito de mais de três seqüências, mas nem sempre isso é necessário. A única função do cinema é nos dar vontade de cinema, e isso já estava lá. Inteirinho.

Maio de 2008

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta